«Não podeis servir a Deus e ao dinheiro»
(Mt.6,24)Um dia, Madre Isabel pronunciou esta frase, que nos deixou em herança: «Fiz-me pobre para privilegiar os pobres». Nesta expressão ficou expresso e encarnado o pensamento de Cristo, que o Evangelista Mateus reproduziu, e faz o título desta reflexão. De facto, assim como não é possível servir a dois senhores, ou seja, a Deus e a tudo o mais que nos possa impedir de O servir, assim também não é possível sentir e viver os problemas dos pobres, se não vivermos como pobres. Para podermos privilegiar os pobres, de entre todos os seres humanos que amamos e servimos, e sabermos o que significa, verdadeiramente, viver em pobreza, precisamos de a sentir e fazer nossa, no nosso quotidiano pessoal.
A pobreza, porém, não é um objectivo a alcançar, por si mesma. Ela tem uma importância enorme, como caminho para o amor fraterno. A propósito, o Autor dos Provérbios deixou-nos este lindo pensamento: «Mais vale um prato de legumes, com amor, do que um vitelo gordo com ódio» (Pr.15,17). Não é, de facto, por muito possuirmos que somos felizes, embora saibamos que «para o pobre, todos os dias são maus» (Pr.15,15). E estas duas coisas têm de estar presentes em nossa vida: não nos afeiçoarmos aos bens deste mundo; e viver, em total empatia com quem não tem o necessário para ter uma vida digna. Daí a necessidade de nos fazermos pobres e de privilegiarmos os pobres na nossa acção. Para podermos aproximar-nos eficazmente dos pobres, não podemos ter uma vida muito diferente da deles. Os pobres precisam de captar o nosso amor através do nosso testemunho de vida desprendida dos bens deste mundo, a fim de poderem receber de nós o exemplo de quem acredita que a maior riqueza não vem da posse dos bens, mas do único Bem que é Cristo, e do amor com que Ele nos ama.
Nestes tempos, em que vivemos, não faltam casos de miséria e de verdadeira necessidade que se cruzam, nos caminhos da vida, com pessoas que mais pensam em si e nas suas comodidades e bem-estar, do que nas carências dos que não têm um mínimo indispensável para viver com alguma dignidade. Há situações gritantes que clamam mais justiça e mais amor. Precisamos, hoje, de pobres, que privilegiem os pobres!
O exemplo da Madre Isabel pode e deve ser um estímulo para aqueles que querem seguir, de perto, a Jesus Cristo que se fez pobre com a nossa pobreza para nos enriquecer com a sua riqueza. Somos todos chamados a partilhar com os irmãos a riqueza de Cristo que é o amor. O que nos há-de levar a essa partilha será sempre o amor. Mas o melhor modo de amar passa pelo exemplo de vida, que tem uma forma privilegiada de se exprimir: ser pobres, livremente, e por virtude, para aliviar a pobreza daqueles junto dos quais exercemos a nossa acção e que muitas vezes, são pobres por força das circunstâncias sociais e culturais.
+ Manuel Madureira
bispo emérito do Algarve
in «SEARA DOS POBRES», nº 57 - Janeiro/Fevereiro/Março - ano 2011